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O problema do policiamento no futebol  

O que a tragédia ocorrida na Indonésia nos diz a respeito de como devemos tratar esse tema pertinente em todo o mundo.

Essa não foi a primeira vez este ano que o esporte teve que enfrentar a realidade de que tragédias muitas vezes resultam de falhas de segurança e gerenciamento de multidões.

A tragédia no Kanjuruhan

O gás lacrimogêneo ainda pairava no ar do estádio Kanjuruhan, em Malang, na Indonésia, enquanto a polícia procurava um manual que deveria ser familiar em todo o mundo, se tratando de como lidar com aquela situação.

Os policiais não tiveram escolha a não ser disparar o produto químico contra a multidão, disse o chefe de polícia da província de Java Oriental, Nico Afinta, “porque havia anarquia”. A escala de pesadelo do desastre ainda não estava clara. No entanto, a polícia, disse o chefe, tinha que agir. “Eles estavam prestes a atacar os policiais e danificaram os carros.” Disse ele.

Por todo o mundo

A acusação de que os torcedores foram os culpados por mais uma tragédia no futebol foi semelhante à da tragédia ocorrida no estádio Olembé, em Camarões, onde oito pessoas morreram em janeiro durante a Copa das Nações Africanas e o quase acidente em maio na final da Liga dos Campeões da Europa em Paris.

Esses dois incidentes aconteceram este ano, mas a coisa é mais antiga. Por exemplo, em Port Said, no Egito, onde 74 torcedores foram mortos em 2012. Em Sheffield, na Inglaterra, onde 97 torcedores do Liverpool foram a um jogo de futebol no Hillsborough Stadium e nunca mais voltaram para casa em 1989.

São incidentes raros, dada a escala global do esporte, mas estão ligados por um fio condutor: quando ocorrem tragédias no futebol, tendem a não ser resultado da violência dos torcedores, mas de um estilo excessivamente zeloso e, às vezes, agressivo de policiamento que trata uma grande multidão como uma ameaça e transforma um jogo em um perigo.

“Ele fala com uma mentalidade que muitas vezes é muito orientada para a ordem pública, em vez da segurança pública.” Disse Owen West, professor sênior de policiamento na Edge Hill University em Ormskirk, Inglaterra, após o ocorrido.

“Você pode ver oficiais com equipamento para essas situações completo, munições de controle de multidões. Torna-se uma profecia auto-realizável.” Completou o professor.

Ele disse que as agências de aplicação da lei assumiram a necessidade de “controlar” a multidão e, portanto, tendiam a ser “excessivamente zelosas e com excesso de recursos”. 

“Muitas vezes, é na verdade a ação policial que desencadeia a reação adversa nas multidões.” Disse ele.

Ecos de um problema

O desastre em Malang foi um eco da tragédia em Yaoundé, capital camaronesa, em janeiro, quando oito pessoas morreram em um esmagamento antes de um jogo da Copa das Nações Africanas entre Camarões e Comores.

A polícia teve a visão de milhares de torcedores tentando entrar no estádio Olembé, orientando-os a entrar por um portão que estava “fechado por razões inexplicáveis”, como disse Patrice Motsepe, presidente da entidade que governa o futebol africano. 

“Se esse portão estivesse aberto, como deveria estar, não teríamos essa perda de vidas.” Disse ele.

Em Port Said, também, os fãs se viram sem ter para onde correr. Naquele dia, quando torcedores da equipe egípcia Al Masry atacaram torcedores do rival Al Ahly após um jogo na Premier League do país, milhares de pessoas na multidão tentaram escapar da violência. As portas do estádio, porém, estavam trancadas e não foram abertas para aliviar a pressão. Setenta e quatro torcedores foram mortos.

Gás e caos também na Europa

O uso de gás lacrimogêneo, no entanto, foi mais lembrado nas cenas caóticas ocorridas em Paris fora da final da Liga dos Campeões deste ano, disputada por Real Madrid e Liverpool.

A Uefa, órgão que governa o futebol europeu, teve dois de seus jogos decisivos anteriores marcados por uma falha em gerenciar uma multidão. Primeiro, na final do adiado Campeonato Europeu de 2020, realizado no Estádio de Wembley, em Londres, em julho de 2021, milhares de torcedores conseguiram romper as barreiras de segurança para entrar.

E após a final da Liga Europa deste ano entre o Eintracht Frankfurt e o time escocês Rangers em Sevilha, na Espanha, os dois clubes tomaram a atitude incomum de emitir uma carta conjunta de reclamação à Uefa sobre a forma como seus torcedores foram tratados.

Champions League foi um exemplo da má conduta

A final de Paris, porém, era a mais preocupante de todas. As autoridades francesas canalizaram dezenas de milhares de torcedores do Liverpool por passagens estreitas, causando gargalos na entrada do estádio. Muitos na multidão esperaram por horas em portões que abriram apenas alguns minutos antes do início do jogo ou não abriram.

A UEFA avisou inicialmente aos torcedores que já se encontravam no estádio, bem como aos espectadores que assistiam em casa, que o jogo seria adiado devido à “chegada tardia” de tantos torcedores, apesar de saber naquela altura que muitos dos torcedores presos do lado de fora tinham chegado horas antes da hora de início programada da partida.

Isso foi aproveitado pelas autoridades francesas, que nos dias seguintes ao ocorrido tentaram culpar dezenas de milhares de fãs com ingressos falsificados pelos problemas. O número de bilhetes falsos, no entanto, foi grosseiramente exagerado e um inquérito do Senado francês em julho culpou as autoridades pelo que chamou de “fiasco” na final, determinando que má coordenação, mau planejamento e múltiplos erros, incluindo o uso de gás lacrimogêneo nos torcedores, causaram o caos.

Sem responsáveis

Cinco meses depois, as autoridades na Indonésia retiraram a responsabilidade de si assim como foi em suas declarações iniciais. Eles concentraram a culpa pela morte de pelo menos 125 pessoas somente nos torcedores que invadiram o campo de jogo do Estádio Kanjuruhan após uma partida do campeonato indonésio entre Arema e Persebaya Surabaya, e não nos oficiais que tentaram lidar com a multidão disparando gás lacrimogêneo em uma área onde não era fácil escapar dele.

De acordo com os regulamentos de segurança e proteção dos estádios publicados pela FIFA, órgão que governa o futebol mundial, o “gás de controle de multidão” não deve ser “carregado ou usado” por comissários ou policiais posicionados na lateral do campo dentro de um estádio. A FIFA, no entanto, admitiu no domingo que esses princípios só podem ser diretrizes em competições domésticas sujeitas a regulamentos nacionais de segurança e proteção.

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