O que diferencia um jogador comum de um jogador profissional?
Técnica? Experiência? Controle? Alto poder de observação e persuasão? Sem dúvida essas são habilidades básicas para qualquer um que busque a excelência na condução de jogo e, consequentemente, uma sequência de vitórias nos principais torneios.
Uma forma comum de buscar auto-aprimoramento na arte do Poker é enveredar-se por três caminhos distintos, porem igualmente importantes, formando um tripé que sustenta a exímia de um profissional: conhecimento sobre o jogo, sobre si mesmo e sobre o outro. Ou seja: conhecimento e prática das regras do jogo (praticar, praticar e praticar), reconhecimento dos próprios potenciais, recursos e limitações para alcançar o autodomínio e desenvolvimento da observação dos seus oponentes, sabendo ler seus sinais e pontos de fraqueza.
Conhecer o Poker, pratica-lo e estuda-lo é a estrada principal pela qual iniciam amadores, apaixonados e profissionais dessa arte. Com o tempo percebe-se a necessidade de compreender os demais jogadores da mesa, e é nesse ponto em que se busca ferramentas da psicologia e da Análise do Comportamento para dar subsídios a leitura do outro.
Os temas comumente procurados são leitura corporal, técnicas de observação, tipos de personalidade, compreensão das expressões faciais e controle das reações emocionais. A biblioteca é grande e divergente pois, dependendo da linha que segue um jogador ou um autor, as repostas e técnicas podem ser diversas.
E a grande maioria para por aqui, esquecendo-se do que, ao meu ver, é o principal eixo no desenvolvimento de qualquer profissional, atleta, executivo, não importa: o vértice do autoconhecimento.
Sendo o Poker, em grande parte, um esporte da mente, porque não compreender como a mente funciona, lapida-la, integra-la ao conhecimento já adquirido e assim obter uma ferramenta única e intransferível: você?
Em qualquer jogo que envolve regras e estratégia, temos um cérebro que busca resolver problemas. Ele tem um objetivo a sua frente e começa a traçar um plano para alcança-lo. Para isso, faz uso de uma séria de habilidades cognitivas para ter sucesso na sua empreitada. Tais habilidades já foram mapeadas pela Neurociência e pela Psicologia Cognitiva: são as Funções Executivas (F.E.).
Chan, Shum, Toulopoulou e Chen (2007) relacionaram os seguintes processos cognitivos como pertencentes à categoria das F.E.: resolução de problemas, planejamento, habilidade de organização em sequências (sequencing), atenção sustentada, resistência à distração, uso de feedback, realização de tarefas múltiplas (multitasking), flexibilidade cognitiva e a habilidade de lidar com inovações (mudanças no ambiente). Os autores ainda destacam que processos emocionais também estão envolvidos, relacionando a análise de experiências de recompensa ou punição, bem como a tomada de decisões sobre questões emocionais e interpretações pessoais das situações como componentes das F.E.
Podemos observar como tais habilidades são fundamentais para um excelente jogador de poker: uma rápida resolução de problemas diante das inúmeras possibilidades que uma mesa oferece, principalmente tendo em vista uma variável que sempre foge do nosso controle, a “sorte” (ou falta de); a capacidade de planejamento a curto (a jogada em si), médio (um torneio específico ou uma noite com muitas rodadas) e longo prazo (como atuar frente a diversos torneios em um ano, por exemplo); saber organizar-se de forma sequenciada, ou seja, criar dentro das regras do jogo e do torneio ações sistemáticas (começo, meio e fim) e seguir essas ações ordenadas até atingir seu objetivo; atenção sustentada, ou seja, manter o foco no jogo e no seu plano e não deixar-se distrair pelo o que acontece “fora” (pessoas ao seu redor, comentários, provocações etc.) ou “dentro” (pensamentos que invadem sua mente nas horas mais impróprias, receios, dúvidas); uso de feedback que nada mais é do que usar os sinais que seus oponentes estão dando bem como se o seu plano original está funcionando para basear suas próximas ações; multitasking: a arte de conseguir pensar no jogo, ler o sinais dos seus concorrentes, manter o foco no seu plano original, manter o controle financeiro, entender seus próprios sinais corporais e emotivos e manter-se sob controle e ainda sorrir para a câmera – tudo isso em poucos segundos; flexibilidade cognitiva que nada mais é que a capacidade de mudar uma ideia original ou uma tática específica ao perceber que a mesma não está funcionando muito bem. E somando-se a todo esse processo racional, há ainda a necessidade de lidar com o componente emocional e as leituras e vieses particulares de cada jogador diante de uma vitória ou de uma perda, e conseguir lidar de forma inteligente e integrada com tudo isso.
Referência:
CHAN, R. C. K., SHUM, D., TOULOPOULOU, T. & CHEN, E. Y. H. (2007, Agosto) Assessment of executive functions: review of instruments and identification of critical issues. Archives of Clinical Neuropsychology, 1-16