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Copa premium: o que o Catar não pode comprar para o Mundial  

O que o Catar não pode comprar para a Copa do Mundo

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(Divulgação/Fifa)

O Catar cumpriu sua palavra, prometeu que daria um show e cumpriu. Nenhuma despesa foi poupada, nenhuma pedra foi deixada de lado, seus planos para o que pode ser chamado de experiência de torneio são grandiosos, ambiciosos e espetaculares.

Mas é uma pena que eles não reflitam sobre o que os torcedores querem ou precisam. Não é apenas o futebol que faz a Copa do Mundo.

Há momentos em que os jogos são de tirar o fôlego, de roer as unhas com a ansiedade tomando conta e com momentos de partir o coração como numa derrota, o que acontece em campo fica gravado na memória coletiva como uma lembrança incrível da infância, algo que nunca nos esquecemos. A Copa do Mundo no fundo é um sentimento.

O que fica após a Copa

A coisa mais memorável sobre a Rússia na última edição não foi a seleção francesa que saiu com o título, não foi a seleção croata que levou uma nação de cinco milhões para uma final de Copa do Mundo, não foi nem mesmo a decepção da Alemanha, a atual campeã, caindo na fase de grupos.

O que fez a Rússia 2018, especialmente agora diante de tudo o que aconteceu, foi Nikolskaya, a rua no centro de Moscou que se tornou um centro para fãs de todo o mundo, cheia de bandeiras, luzes e música. Foi a ida de milhares de peruanos para as ruas de Saransk celebrando, foi a sensação de que você nunca estava a mais de 2 metros de um colombiano.

Promoção de aniversário

A alegria e esse sentimento de união que faz a competição, isso não toca apenas os presentes, se espalha para outros muitos que estão assistindo em casa. Transforma estádios frios e quietos em algo cheio de vida com as torcidas celebrando, faz uma simples competição de futebol se transformar no grande evento que é a Copa.

Não foi a melhor escolha

Há muitas razões para criticar a ideia de uma Copa do Mundo no Catar. Em primeiro lugar, há as preocupações contínuas com os direitos humanos, a falta de moralidade de um torneio construído por e sobre o trabalho escravo e também a incerteza preocupante sobre como serão recebidos os torcedores gays, há sérias dúvidas se esse realmente será um torneio para todos.

Foi em agosto, três meses antes do início do torneio, que o Qatar anunciou o Arcadia Spectacular, uma gigante tarântula de aço que faz parte de eventos e shows. A pergunta que fica é se isso realmente era necessário, se completa a experiência da torcida com o futebol e com um evento como a Copa do Mundo. É como se todo esforço fosse investido em garantir o torneio e construir os estádios, mas só no último momento alguém se perguntasse sobre todas as pessoas que poderiam aparecer para participar do evento.

Em nenhum lugar isso é mais claro do que nas acomodações que deveriam abrigar os milhões de torcedores esperados em novembro e dezembro. Mesmo agora, a menos de dois meses, nem todas as hospedagens que estão sendo preparadas para o torneio estão disponíveis para reserva e o motivo é que nem todas estão prontas.

Torcedores sem muitas opções

Os organizadores do torneio insistem que o Catar tem locais confortáveis para os torcedores. Haverá segundo eles até 130.000 quartos para abrigar torcedores todas as noites do torneio, há algo para todos os gostos, também com opções que variam de hotéis a vilas e apartamentos e a navios de cruzeiro, tendas de luxo, cabines simples e até trailers. A opção mais barata custa cerca de US $80 por noite, disse um porta-voz do Comitê Supremo de Entrega e Legado.

Embora isso seja verdade, não está muito claro o que esses US $80 compram para os visitantes, várias organizações que representam os interesses dos torcedores tem dúvidas significativas sobre que tipo de instalações serão oferecidas nos parques de cabines. Ainda não está claro, disse um representante, se aqueles que ficam nos parques poderão assistir aos jogos na televisão ou como terão acesso a comida e água, mas o Comitê Supremo insiste que haverá food trucks em cada um dos locais.

Existem atualmente apartamentos disponíveis por US $102 por pessoa, por noite, para determinadas datas, embora eles venham com um aviso de que a disponibilidade está acabando. Outras opções começam em US $300 por noite, uma tenda de luxo custa mais de US $400, uma vaga em um navio de cruzeiro começa em cerca de US $500 e nos hotéis o preço pode chegar a milhares de dólares por uma única noite.

Não é incomum que os preços subam durante um grande evento, assim como nas Olimpíadas, os torcedores esperam ser enganados até certo ponto quando escolhem participar. O preço dos voos sobe quase instantaneamente, um valor mais alto é adicionado aos quartos de hotel e os inquilinos de casas privadas identificam uma oportunidade para lucrar.

Piora de um antigo problema

Esse problema não é exclusivo do Catar, mas dadas as formas como está acontecendo, se torna muito mais evidente. Na África do Sul, Brasil e Rússia era possível aproveitar uma rede existente de albergues baratos e hotéis de médio porte, bem como casas particulares disponíveis no Airbnb. Seus preços também dispararam, mas era possível participar de todas essas Copas com um orçamento relativamente pequeno, os mais aventureiros poderiam alugar uma van, montar uma barraca ou se espremer em um quarto de hotel com amigos, mas esse não é o cenário em 2022.

Nenhuma dessas opções está disponível no Catar, a infraestrutura hoteleira existente é quase exclusivamente de luxo, muitos dos hotéis que foram construídos para a Copa são os mesmos, os poucos albergues parecem estar lotados e tardiamente as autoridades permitiram que os moradores do Catar alugassem suas casas de forma privada, mas fazer isso momentos antes da competição não significa que serão de baixo custo.

Copa premium 

Essa é a Copa do Mundo como o Catar imagina e aparentemente como a FIFA também, um produto premium, uma experiência de estilo de vida que pode ser adquirida a um determinado preço, um playground para a classe A, para o rico, para o viajante e torcedor de luxo. É um evento desenhado pela elite para a elite, o tipo de lugar em que uma aranha gigantesca que cospe fogo é contratada para disfarçar numa forma de show a ausência de sensação, de sentimento, do que a Copa traz de melhor, que é o torcedor vindo celebrar de todos os países do mundo. 

O que faz e o que sempre fez a Copa do Mundo são as pessoas, não os jogadores que vão estar em campo, nem os torcedores que estarão nas arquibancadas, mas os que vão só para estar lá, só para provar, para dar cor, som e alegria.

É ruim e difícil de acreditar que muitos desses torcedores não vão ter condições de estar no Catar e até mesmo que alguns não terão permissão para entrar no país sem ingresso para um jogo, com isso talvez aquela euforia e aquele sentimento de Copa do Mundo que faz as pessoas saírem para pintar suas ruas acabe não existindo, mudando, talvez essa Copa acabe se transformando somente numa demonstração de todas as coisas que o dinheiro pode comprar e, por outro lado, de todas as coisas que ele não pode.

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